domingo, 18 de abril de 2010

Brás Cubas... Machado de Assis

M. Póstumas de Brás Cubas

J.M. Machado de Assis
Prosa Realista - 1881

Vida
Nasceu no dia 21 de junho de 1839 no Rio de Janeiro, mais precisamente no Morro do Livramento. Nasceu simplesmente um moleque de morro, franzino e doentio. Era filho de um pintor de paredes, Francisco José de Assis, e de uma portuguesa, Maria Leopoldina.
Quando ainda pequeno, ficou órfão de mãe. O pai casou-se novamente e a madrasta, Maria Inês, contrariando a lenda, substituiu em cuidados e carinhos a mãe verdadeira e também o pai, que morreria logo depois. Machado cresceu ao lado de Maria Inês, lavadeira e doceira, cujas balas o menino vendia na porta dos colégios que não podia freqüentar.
Naqueles tempos, escola era um privilégio dos mais afortunados. O menino, aliás, nunca freqüentaria qualquer escola. Machado é, hoje, o maior exemplo de autodidatismo no Brasil.
Tímido e introspectivo, Machado teve uma vida sóbria, comportada, sem grandes travessuras de criança, nem grandes aventuras de rapaz.
• 1855 - aos dezesseis anos, publica seu primeiro poema Ela na Marmota Fluminense. Esse poema só foi publicado porque Paula Brito, dono de uma tipografia e de uma livraria, simpatizou-se com o rapaz e fez dele seu protegido.
• 1856 e 1858 - Machado trabalha como topógrafo, primeiro na Imprensa Nacional e depois na tipografia de Paula Brito. Nessa época conhece um jornalista famoso, Manuel Antônio de Almeida, e outros intelectuais.
• 1858 e 1867 - Machado colabora assiduamente em muitos jornais e revistas cariocas, nos publicava contos, crônicas e crítica teatral. No ano de 1857 ingressa no funcionalismo público, em que sucessivamente teve funções cada vez mais importantes e chegou a ser um funcionário de prestígio.
• 1869 - casa-se com Carolina Xavier de Novais, irmã do poeta Faustino Xavier, que viera de Portugal para uma viagem cultural pelo Brasil. O casamento que iria durar 35 anos e ser dos mais felizes foi tumultuado, pois os pais de Carolina, portugueses preconceituosos, não queriam a união da filha com um mulato. Carolina viria a dar ao pacato e caseiro Machado de Assis a companhia ideal em sua fase de produção literária.
• 1870 - Machado nos premia com uma intensa atividade literária e com sucessivas publicações: contos, romances, poesia, teatro e crítica literária.
• 1881 - Machado atinge sua maturidade literária e publica Memórias Póstumas de Brás Cubas, um romance. Essa obra vem a ser um marco na história da Literatura Brasileira.
• 1882 - aparece Papéis Avulsos, uma seleção admirável de contos.
• 1891- aparece Quincas Borba, o mais filosófico dos romances machadianos.
• 1896 - é fundada a Academia Brasileira de Letras, e Machado de Assis, um ano depois, é aclamado seu presidente perpétuo.
• 1899 - surgem Dom Casmurro, romance, obra-prima de drama moral, e Páginas Recolhidas, seleção de contos.
• 1904 - é publicado o romance Esaú e Jacó, e também morre sua esposa Carolina.
• 1908 - morre Machado de Assis, festejado, em todos os sentidos, como o maior escritor brasileiro.

Obra
A classificação (rotulação) de Machado dentro de escolas e movimentos é problemática e atende apenas à comodidade didática. O mesmo ocorre com a divisão de sua obra em fases: a primeira (Romântica) e a segunda (Realista). O que houve em Machado foi um contínuo aperfeiçoamento.


Sua obra abrange os seguintes gêneros literários:
• Poesia - Crisálidas, Falenas e Americanas (fase romântica) e Ocidentais (fase parnasiana)
• Teatro - Desencantos, A Queda que as Mulheres têm para os Tolos, Quase Ministro, Os Deuses de Casa, Tu, Só Tu, Puro Amor, entre outras. É o aspecto menor da obra machadiana. São mais contos dialogados, que peças teatrais.
• Crítica - Abrangendo literatura e teatro.
• Crônica - Reunida no livro A Semana.
• Conto - Tão importante quanto o romance machadiano. Contos Fluminenses, Histórias da Meia-Noite, Papéis Avulsos, Histórias sem Data, Várias Histórias e Relíquias da Casa Velha.
• Romance - Fase romântica: Ressureição, A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia. Apesar de rotulados "românticos" , há nesses romances elementos realistas: a análise psicológica e o fato de que as heroínas ajam por interesse na obtenção de "status" social e não por amor, mola central da narrativa romântica. Fase realista: Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e D. Casmurro, que constituem a Trilogia Machadiana, Esaú e Jacó e Memorial de Aires.
Considerações Gerais
A ruptura com a narrativa linear:
Os fatos e as ações não seguem um fio lógico ou cronológico, obedecem a um ordenamento interior, são relatados à medida que afloram à consciência ou à memória do narrador, num processo que se aproxima do impressionismo.

A organização metalingüística do discurso narrativo:
É comum, na ficção machadiana, que o narrador interrompa a narrativa para, com saborosa e bem-humorada bisbilhotice, comentar com o leitor a própria escritura do romance, fazendo-o participar de sua construção; ou ainda, para dialogar sobre uma personagem, refletir sobre um episódio do enredo ou tecer suas digressões sobre os mais variados assuntos.
Machado assume a posição de quem escreve e ao mesmo tempo se vê escrevendo. Esses comentários à margem da narração constituem o principal interesse, pois neles está a mensagem artística do escritor.

O universalismo
Machado captou na sociedade carioca do século XIX, os grandes temas de sua obra. O seu interesse jamais recaiu sobre o típico, o pitoresco, a cor local, o exótico, tão ao gosto dos românticos. Buscou, na sociedade do seu tempo, o universal, a essência humana, os grandes valores filosóficos: a essência e a aparência; o caráter relativo da moral humana; as convenções sociais e os impulsos interiores; a normalidade e a loucura, o acaso, o ciúme, a irracionalidade, a usura, a crueldade.
A pobreza de descrições, a quase ausência da paisagem são ainda desdobramentos dessa concentração na análise psicológica e na reflexão filosófica. As tramas dos romances machadianos poderiam, sem grandes prejuízos à narrativa, ser transplantadas para qualquer época e qualquer cidade.

Os grandes arquétipos
Uma das linhas mestras da ficção machadiana parte do aproveitamento dos arquétipos, que remontam à tradição clássica e aos textos bíblicos. (Arquétipo = modelo de seres criados; padrão exemplar; imagens psíquicas do inconsciente coletivo, e que são o patrimônio coletivo de toda a humanidade.)
Assim, o conflito dos irmãos Pedro e Paulo, em Esaú e Jacó, remonta ao arquétipo bíblico da rivalidade entre Caim e Abel; a psicose do ciúme de Bentinho, em D. Casmurro, aproxima-se do drama de Otelo e Desdêmona, de Shakespeare.

O pessimismo
Machado revela sempre uma visão desencantada da vida e do homem. Não acreditava nos valores do seu tempo e, a rigor, não acreditava em nenhum valor. Mais do que pessimista ou negativa, sua postura é niilista ("nil" - nada). O desmascaramento do cinismo e da hipocrisia, do egoísmo e do interesse, que se camuflavam sob as convenções sociais é o cerne de grande parte da ficção machadiana.
O capítulo final de Memórias Póstumas, o antológico das negativas, é exemplo cabal do pessimismo do autor:

Capítulo CLX
Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplastro, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

A ironia, o humor negro
A forma de revolta de Machado era o rir; quase sempre um riso amargo que exteriorizava o desencanto e o desalento ante a miséria física e moral de suas personagens. Observem o texto:

Daqui inferi eu que a vida é o mais engenhoso dos fenômenos, porque só aguça a fome , com o fim de deparar a ocasião de comer, e não inventou os calos, senão porque eles aperfeiçoam a felicidade terrestre. Em verdade vos digo que toda a sabedoria humana não vale um par de botas curtas.
Tu minha Eugênia, é que não as descalçaste nunca; foste aí pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor, triste como os enterros pobres, solitária, calada, laboriosa, até que vieste também para esta outra margem... O que eu sei é se a tua existência era muito necessária ao século. Quem sabe? Talvez um comparsa de menos fizeste patear a tragédia humana.


Resumo
Brás Cubas, já falecido, conta, do outro mundo, as suas memórias: Expirei em 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Galhofando dos ascendentes, fala da própria genealogia. Assevera que morreu de pneumonia apanhada quando trabalhava num invento farmacêutico, um emplastro medicamentoso. Virgília, sua ex-amante, que já não via há alguns anos, visitou-o nos últimos dias de vida. Narra Brás Cubas um delírio que teve durante a agonia: montado num hipopótamo foi arrebatado por uma extensa e gelada planície, até o alto de uma montanha, de onde divisa a sucessão dos séculos.
Além dos pais, tiveram grande influência na educação do pequeno Brás Cubas três pessoas: tio João, homem de língua solta e vida galante; tio ldefonso, cônego, piedoso, e severo; Dona Emerenciana, tia materna, que viveu pouco tempo. Brás passou uma infância de menino traquinas, mimado demasiadamente pelo pai. Aos dezessete anos apaixona-se por Marcela, dama espanhola, com quem teve as primeiras experiências amorosas. Para agradar Marcela, Brás começa a gastar demais, assumindo compromissos graves e endivida-se. Marcela gostava de jóias, e Brás procurava fazer-lhe todos os gostos. Marcela amou-me, diz Brás Cubas, durante quinze meses e onze contos de réis. Quando o pai tomou conhecimento dos esbanjamentos do filho, mandou-o para a Europa: vais cursar uma Universidade, justificou. Em Coimbra, Brás segue o curso jurídico e bachare-la-se. Depois, atendendo a um chamado do pai, volta ao Rio: a mãe estava moribunda. E, de fato chega ao Brasil, e a mãe falece. Passando uns dias na Tijuca, conhece Eugênia, moça bonita, mas com um defeito na perna que a fazia coxear um pouco. Com ela mantém um romance passageiro.
O pai de Brás tem duas ambições para o filho: quer casá-lo e fazê-lo deputado. Tudo faz para encaminhá-lo no rumo do casamento e procura aumentar o círculo de amigos influentes na política, a fim de preparar o caminho para o futuro deputado. Assim é que Brás Cubas é apresentado ao Conselheiro Dutra, que promete ajudar ao jovem bacharel na pretendida ascensão política.
Brás nesta altura vem a conhecer Virgília, filha do Conselheiro Dutra, pela qual se apaixona. Parecia, com isso, que os sonhos do pai sobre Brás estavam prestes a realizar-se: bem-encaminhado na política e quase noivo. Entretanto acontece um imprevisto: surge Lobo Neves, que não somente lhe rouba a namorada, mas também cai nas boas graças do Conselheiro Dutra. Vendo assim preterido o filho, o pai de Brás sente-se profundamente desapontado e magoado. Veio a falecer dali a alguns meses, de um desastre.
Virgília casa-se com Lobo Neves e, pouco tempo depois, vê eleito deputado o marido. Mas, na verdade, Virgília casara-se com Lobo por interesse, e ama realmente Brás Cubas. Virgília e Brás principiam a encontrar-se com freqüência e, em breve, tornam-se amantes . Lobo Neves adora a esposa e nela confia inteiramente. Aliás não tinha muito tempo para observar o que se passa, já que estava entregue totalmente à política.
Narra nesta altura Brás Cubas o encontro que teve com seu ex-colega de escola primária, Quincas Borba, que se tornara um infeliz mendigo de rua. Depois do encontro com Quincas, Brás percebe que o maltrapilho lhe roubara o relógio.
Os encontros amorosos entre Virgília e Brás suscitam comentários e mexericos dos vizinhos, amigos e conhecidos. Por esse motivo, Brás propõe a Virgília a fuga para um lugar distante. Virgília, porém, pensa no marido que a ama e na família, e sugere uma casinha só nossa, metida num jardim, em alguma rua escondida. A idéia parece boa a Brás, que sai remoendo a proposta: uma casinha solitária, em alguma rua escura. Virgília e sua ex-empregada, chamada Dona Plácida, se encarregam de adornar a casa e, aparentemente, quem ali reside é Dona Plácida. Ali os dois amantes se encontram sem maiores embaraços, e sem despertarem suspeitas.
Sucede que, por motivos políticos, Lobo Neves é designado como presidente de uma província e, dessa, forma, tem de afastar-se com a mulher. Brás fica desesperado e pede a Virgília que não o abandone. Quando tudo parece sem solução, eis que surge Lobo Neves e, para agradar ao amigo da família, convida Brás Cubas a acompanhá-lo, como secretário. Brás aceita. Os mexericos se tornam mais intensos e Cotrim, casado com Sabina, irmã de Brás Cubas, procura fazer ver ao cunhado que a viagem seria uma aventura muito perigosa. Mais por superstição do que pelos conselhos de Cotrim, Lobo Neves acaba não aceitando mais o cargo de presidente, porque o decreto de nomeação saíra publicado no Diário Oficial num dia 13, e Lobo Neves tinha pavor do número treze considerado um número fatídico.
Lobo Neves recebe uma carta anônima denunciando os amores da esposa com o amigo. Isso faz com que os dois amantes se mostrem mais reservados, embora continuem encontrando-se na Gamboa (onde ficava a casa de Dona Plácida). Surge então um acontecimento que vem alterar a situação dos personagens: Lobo Neves é novamente nomeado presidente, e desta vez parte então para o interior do país, levando consigo a esposa. Brás procura distrair-se e esquecer a separação. Aliás, o tempo se havia escoado e, embora ainda se sentisse forte e com saúde, era já um cinquentão.
A irmã Sabina, que vinha procurando "arranjar" um casamento para Brás, volta a insistir em seu objetivo. A candidata, uma moça prendada, chamava-se Nhá-Loló. Mesmo sem entusiasmo, Brás aparenta interesse pela pretendente, mas Nhá-Loló vem a falecer durante uma epidemia.
O tempo vai passando. Mais por distração do que por idealismo. Faz-se deputado e, na assembléia, vem a encontrar-se com Lobo Neves que havia voltado da província . Encontra-se também com Virgília, que não tinha a beleza antiga que o havia atraído anteriormente. Assim, por desinteresse recíproco, chegam ao fim os amores de Brás e Virgília.
Quincas Borba, o mendigo, reaparece e lhe restitui o relógio, passando a ser um freqüentador da casa de Brás. Quincas Borba estava mudado: não era mais mendigo, recebera uma herança de um tio em Barbacena. Virara filósofo: havia inventado uma nova teoria filosófica-religiosa, o Humanismo, e não falava noutra coisa. O próprio Brás Cubas passa a interessar-se muito pelas teorias de Quincas Borba.
Morre, por esse tempo, Lobo Neves, e Virgília chorou com sinceridade o marido, como o havia traído com sinceridade. Também vem a falecer Quincas Borba, que havia enlouquecido completamente.
Brás Cubas deixou este mundo pouco depois de Quincas Borba, por causa de uma moléstia que apanhara quando tratava de um invento seu, denominado emplastro Quincas Borba. E o livro conclui: Ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas (refere-se ao último capítulo do livro): não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria".

Personagens
• Brás Cubas - narrador - morto aos 64 anos - “ainda próspero e rijo”, fidalgo
• Marcela - Segundo grande amor de Brás Cubas, uma prostituta de elite, cujo amor por Brás duraria quinze meses e onze contos de réis.
• Virgilia - filha do comendador Dutra, segundo o pai de Brás, Bento Cubas A “Ursa Maior” amante de Brás Cubas casa-se com Lobo Neves por interesse.
• Quincas Borba - menino terrível que dava tombos no paciente professor Barata, colega de escola de Brás que o encontrará mais tarde mendigo que rouba-lhe um relógio mas retorna-o ao colega após receber uma herança. Desenvolve a filosofia do humanismo: “Ao vencedor as batatas ao vencido ódio ou compaixão”.
• Eugênia - Filha de Eusébia e Vilaça, menina bela embora coxa.
• Nhá Loló - moça simplória, tinha dotes de soprano - morre de febre amarela..
• Cotrim - casado com Sabina, irmã de Brás; ambos interesseiros
• Nhonhô - filho de Virgília
• D. Plácida empregada de Virgília confidente e protetora de sua realção - extra conjungal
• Lobo Neves - casado com Virgília, homem frio e calculista.

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