quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sabedoria e cálculo do silêncio.

Vários ditados populares dão importância ao silêncio: “Deus nos deu uma boca e dois ouvidos para que possamos menos falar e mais ouvir”; “Manter a boca fechada e os olhos bem abertos”, diz uma versão italiana; “Em boca fechada não entra mosca”, dizem os espanhóis e portugueses. Os comerciantes europeus inventaram a metáfora “o silêncio é de ouro e palavra é de prata”. O provérbio árabe “cada palavra que tu falas é uma espada que te ameaças” induz a prudência e o cálculo sobre o que, como e em que ocasião falar.
Existe uma relação íntima entre o silêncio e a prudência. O padre jesuíta Baltazar Gracian (séc.17) achava que “no silêncio cauteloso é que a prudência se refugia”. Ou seja, escolher ficar em silêncio não é valorizar a mudez, mas sim, saber calar de acordo com o lugar ou a ocasião: “Fale pouco, mas nunca pareça mudo e embaraçado...”, dizia uma antiga etiqueta social. Até o filósofo da linguagem, Wittgenstein (séc. 20), alertava que “Aquilo que não se pode falar, deve-se calar”. Enfim, o silêncio pode ser reconhecido como uma virtude que evita polêmicas desnecessárias e brigas perigosas. “Diante de tanta ignorância respondo com meu silêncio”, encurtava Rui Barbosa.
Entretanto, diante da intolerância, do racismo e dos fundamentalismos, devemos ficar em silêncio? Nessas situações, o bom senso entende que “o dever do intelectual é romper o silêncio, ainda que sua voz seja abafada pelos poderosos e seus cúmplices de plantão”[1]. “O grande cúmplice da tirania é o silêncio; não atacar o despotismo é a maneira mais covarde de servi-lo; não denunciá-lo é auxiliá-lo; estar próximo dele sem feri-lo é a maneira mais vil de protegê-lo; e proteger o crime é mil vezes pior que cometê-lo; eis aí a hora em que a palavra é um dever e o silêncio é um crime”[2].
Nada justifica, portanto, que muitos intelectuais – principalmente aqueles que acreditam que a “esquerda deve ser, sempre, moral ou ética” fiquem calados diante do terrorismo (condenado, inclusive, por Che Guevara), do genocídio nos regimes totalitários autodenominados socialistas ou nacional-socialistas (nazi-fascistas), da corrupção, da delação em nome da “causa justa”. É triste reconhecer como o infantilismo ainda domina uma parte da esquerda que cultua personalidades e faz “turismo revolucionário”[3], se alienando de ver o “todo”. Há que sustentar, sempre, uma atitude crítica das contradições dos regimes ou dos homens “demasiadamente humanos”. Tomás de Aquino dizia temer o homem que só conhece um livro [Timeo hominem unius libri]. Os homens sensatos deveriam desconfiar de todos os discursos, sobretudo os que produzem entorpecimento da razão crítica dos ouvintes condenados a somente ouvir em silêncio, repetindo o que o “grande mestre” diz.Os alunos deveriam questionar os professores que falam tanto como que obrigando os alunos a um silêncio de fé. Provavelmente, nesse caso, não temos ensino, mas sim, doutrinação.
Hoje, convivemos com uma civilização complexa, dominada pelo fetiche tecnológico sem um código moral de como usar tais bugigangas. O celular, por exemplo, é útil, mas também pode ser um instrumento de incivilidade quando toca fora de hora e no lugar inadequado. Pior é quando o dono se acha no direito de atender, ali mesmo, sem cerimônia e sem vergonha, falando alto para quem quiser ouvir. E o que dizer daqueles que falam com o famigerado aparelho dirigindo seu carro? E os que rompem o silêncio imposto por uma prisão que serviria para fazerem seu exame de consciência e se sentem autorizados a usarem o aparelhinho para desencadear violência numa cidade como São Paulo?

[1] OZAI, Antonio. “Assim falou Vargas Vila”. Disponível em Revista Espaço Acadêmico, nº. 61, junho de 2006. Acesso em: jun. 2006. Acesso em: jun. 2006.

[2] BAZZO, Ezio Flavio. Assim falou Vargas Vila. Brasília: Companhia das Tetas Publicadora, 2005. (XLVIII).

[3] O psicanalista Contardo Calligaris toma emprestado uma idéia de outro psicanalista, Fábio Hermann, que observou que o “turista é quem tira seu retrato colocando-se na frente do lugar visitado, mas olhando para a câmera: somos turistas quando viajamos de costas para o real [...]. Aos turistas revolucionários de Caracas, sugiro uma leitura. Rossana Rossanda acaba de publicar (na Itália) suas memórias, "La Ragazza del Secolo Scorso" (a moça do século passado; Einaudi)”. (CALLIGARIS, C. Os revolucionários silenciosos. Folha de S. Paulo, Cad. Ilustrada, 22 de junho de 2006.

por: RAYMUNDO DE LIMA

Nenhum comentário:

Postar um comentário